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Bob Dylan como Alias, no filme de Sam Peckinpah.

Alguma puta velha de San Pedro...

 

Há exatos 40 anos, em fevereiro de 1973, BOB DYLAN finalizava as gravações do que talvez seja o mais conceitual de seus álbuns: PAT GARRETT & BILLY THE KID.

Poster do filme Pat Garrett & Billy the Kid, de Sam Peckinpah.

Quando conheci o álbum Pat Garrett & Billy The Kid, do Bob Dylan, eu ainda não tivera a oportunidade de assistir ao filme homônimo de Sam Peckinpah. Entretanto, lembro que colocava o disco pra tocar durante a noite e, de olhos fechados, me sentia diretamente remetido àquele mundo árido, povoado de personagens cruéis, onde as pistolas ditavam as regras e o sangue jorrava em abundância, podendo inclusive ouvir o zunido das balas passando rentes ao meu ouvido.

Ainda na primeira faixa, Main Title Theme (Billy), com os acordes secos do violão, o compasso perturbador feito pela meia-lua e o solo que age como um narrador contando uma emocionante história de aventura ocorrida em tempos remotos, eu já era capaz de visualizar um Pat Garrett envelhecido levando uma saraivada de tiros sobre sua carroça, vindo a despencar sem vida no terreno rochoso da desértica fronteira com o México. Eu podia me sentir testemunha ocular dos assassinatos de Billy The Kid, estando tão perto a ponto de escutar alguém gritando “William Bonney acaba de matar mais um homem!” e um dos assistentes do xerife, sob a mira da espingarda empunhada pelo fora-da-lei, sussurrando: “É... e ele vai me matar também!” Eu podia tocar no cadafalso erguido pra suspender o corpo do pistoleiro durante a malfadada execução por enforcamento.

Eu podia tudo isso porque, ao ouvir esse álbum nada convencional, eu me sentia lá... e, de fato, eu estava lá!


Capa do álbum Pat Garrett & Billy The Kid, de Bob Dylan.Cantina Theme (Workin’ For The Law)
me transportava a um saloon onde apostadores mal-encarados jogavam pôquer e putas de seios caídos ficavam em volta fazendo a corte. Ou então me conduzia a alguma cantina de um vilarejo isolado no meio do deserto, em que um caçador de bandidos era homem suficiente pra tomar uma garrafa de tequila barata junto a um grupo de bandoleiros assassinos foragidos. A percussão de Cantina Theme, aliás, nos traz a sensação de que está antecipando um daqueles momentos de tiroteio desenfreado, aquelas cenas de massacre onde nós temos a certeza de que ninguém sairá da espelunca vivo. Ainda hoje sou capaz de imaginar um close de olhos impassíveis encarando o oponente, alertas a qualquer movimento em falso.

Tensão maior, porém, sinto já nos primeiros segundos de Billy 1, quando a gaita tocada por Dylan entra rasgando o espírito, com um tom de agonia e desespero de partir o coração de qualquer espectador/ouvinte. Então o menestrel do oeste selvagem resolve ir além e dispara com sua voz característica um aviso ao herói: “Há armas do outro lado do rio mirando em você... um homem da lei no seu encalço louco pra te pegar... caçadores de recompensa dançando ao seu redor... Billy, eles não gostam que você seja tão livre!” Como não se identificar logo de cara com um personagem desses?

River Theme, por sua vez, lembra um cortejo fúnebre... mas também poderia ser uma señorita mexicana – ou mesmo uma índia – lavando roupas na margem do rio, cantarolando melodias monossilábicas nostálgicas... “Lá–rá... lá-lá-lá-lá...” É uma canção com capacidade de nos transmitir sua intenção emocional tão forte e saliente quanto Turkey Chase. Escutem esta música e tentem imaginar uma cena onde alguns ladrões-de-gado baratos se dedicam a um pequeno momento de lazer tentando caçar perus selvagens montados em seus cavalos... tentem perceber a descontração e o divertimento dos personagens...

Knockin’ On Heaven’s Door é um caso à parte. É o único hit do disco, sendo conhecido por um público tão vasto que abrange de fãs de Eric Clapton a tietes de Guns & Roses. Tem uma letra belíssima que se torna ainda mais poética quando inserida no contexto da película de Sam Peckinpah, onde vemos um xerife Baker ferido mortalmente, cambaleando em direção ao rio pra sentar numa pedra com a mão por sobre o ferimento e contemplar a singularidade da vida, saciando o desejo de partir velejando em seus últimos momentos antes da morte.

 

Contracapa do disco Pat Garrett & Billy The Kid, de Bob DylanFinal Theme não poderia ser mais apoteótica... é como o encerramento de uma fantástica história que acabamos de ouvir de alguém que esteve lá e fez parte de tudo... alguém que narra os fatos com tamanha veracidade e precisão que simplesmente não tem como não nos sentirmos personagens da aventura... é o desfecho de um conto sobre homens destemidos e indomáveis... sobre valores como honra, amizade, justiça e coragem... é a música que nos coloca frente a frente com um Billy The Kid atingido no peito por um tiro de rifle... diante de um Pat Garrett remoído pelo remorso e pela culpa de ter matado o seu melhor amigo, sentado em silêncio absoluto sobre uma cadeira de balanço na varanda de um casebre de madeira.... é a trilha que fala sobre um amanhecer lúgubre e sombrio no meio do nada... sobre uma história sem final feliz nem triste... apenas um final...

E eis que Billy 4 entra para nos resumir toda essa jornada fantástica que acabamos de vivenciar na intimidade da imaginação... como afirmara antes sobre o disco, eu fechava os olhos com os fones a todo volume e me sentia parte daquela fantasia de garoto... eu era o próprio Billy, ouvindo um Dylan preocupado me alertando de que Pat Garrett estava no meu encalço e já tinha minha pista; pedindo pra que eu não virasse as costas pra ele; falando sobre os caçadores de recompensa e os pistoleiros neófitos tentando me encurralar; mandando que eu ficasse atento a qualquer ruído, que poderia se transformar num trovão vindo do tambor de suas armas; lembrando as mulheres que eu matei em El Paso ou comprei em Santa Fe; perguntando como eu me sentia sendo caçado pelo homem que era meu amigo...

Enfim, um Dylan atencioso, citando alguma puta velha de San Pedro e se lamentando por Billy estar tão distante de casa durante seu Grand Finale numa viela escura de Tularosa ou talvez no Vale do Rio Pecos...

[youtube http://www.youtube.com/watch?v=hFxwq33rVAs&w=420&h=315]

Cena do filme de Peckinpah.

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